*Mauro Ferreira de
Souza é Bacharel em Filosofia e Teologia (Universidade Mackenzie), Direito
(UNIB), Especialista em Filosofia Contemporânea e Historia pela (Universidade
Metodista) e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Mackenzie São
Paulo. Doutorando em Filosofia.
Currículo CNPQ: http://lattes.cnpq.br/6652104071439857
Desde a colonização, o
catolicismo, tendo construído seus fundamentos, embora frágeis, logo se
fundiram com o encontro de outras culturas religiosas e étnicas: notadamente a
indígena e a africana. A primeira, com cerca de cinco milhões, compondo o vasto
campo do território nacional, sendo um mosaico cultural, lingüístico e especificamente
religioso. Conquanto, era natural que pela dominação forçada, muitos indígenas
e africanos aderissem ao catolicismo de colonização.
A força motriz do catolicismo português, em vários aspectos, não sobrepôs às duas culturas, mas ao contrário, se apropriou delas e, com isso, construiu uma identidade nacional. A opinião de Pereira (2000) é a de que os portugueses colonizaram e deram apenas a marca religiosa fundamental ao país mas, num processo de acomodação das culturas subalternas. Para esse autor, o modelo de cristandade brasileira não consolidou a universalidade católica, mas absorveu, pela força de coesão, as diversidades étnicas. Para ele, o que houve foi um processo de aculturação ou sincretismo.
A acomodação e a assimilação tornaram-se fenômenos aculturativos, surgindo, daí, no Brasil colonial, uma cristandade de terceira categoria. A aculturação segundo ele, formou uma síntese assimilativa e sincretista que, por sua vez, formou no Brasil um catolicismo nacional desprovido da ideologia tridentina. Nessa perspectiva, interpreta o modelo pluriétnico brasileiro como sincretista, assimilacionista e mescigenacionista. Assim, Pereira segue a linha da acomodação das culturas que se fundiram para formar a identidade brasileira, especialmente religiosa.
A força motriz do catolicismo português, em vários aspectos, não sobrepôs às duas culturas, mas ao contrário, se apropriou delas e, com isso, construiu uma identidade nacional. A opinião de Pereira (2000) é a de que os portugueses colonizaram e deram apenas a marca religiosa fundamental ao país mas, num processo de acomodação das culturas subalternas. Para esse autor, o modelo de cristandade brasileira não consolidou a universalidade católica, mas absorveu, pela força de coesão, as diversidades étnicas. Para ele, o que houve foi um processo de aculturação ou sincretismo.
A acomodação e a assimilação tornaram-se fenômenos aculturativos, surgindo, daí, no Brasil colonial, uma cristandade de terceira categoria. A aculturação segundo ele, formou uma síntese assimilativa e sincretista que, por sua vez, formou no Brasil um catolicismo nacional desprovido da ideologia tridentina. Nessa perspectiva, interpreta o modelo pluriétnico brasileiro como sincretista, assimilacionista e mescigenacionista. Assim, Pereira segue a linha da acomodação das culturas que se fundiram para formar a identidade brasileira, especialmente religiosa.
Nesta
perspectiva, diz:
A grande vocação histórica da sociedade brasileira é
aceitar, sem maiores resistências, as influências estrangeiras, evidenciadas no
sincretismo cultural do país. [...] Nesta linha de interpretação, a alegada
receptividade histórica da sociedade brasileira em relação ao “outro” é
cientificamente captada como uma tríplice e histórica vocação da sociedade
nacional em anular o “diferente” (PEREIRA, 2000, RevUSP-46, p.9).
Dada essa fusão cultural e
religiosa, o catolicismo resultou em uma religião mais popular do que
tridentina[1].
O catolicismo popular se mantém leal à Igreja Romana,
lealdade facilitada pela transigência de bispos e vigários com práticas
atridentinas infiltradas e pela tranqüila ignorância popular das conseqüências
morais, litúrgicas e devocionais do modelo tridentino. [...] Houve conflitos do
catolicismo tridentino com o regalismo; mas com a religião popular houve competição,
acomodação e, até, assimilação (RIBEIRO, 1973, p.64).
Voltando a teoria de Pereira
(2002), o catolicismo tomou uma identidade sincrética como se verifica até os
dias de hoje. Isso ocorreu não somente por razão da falta de padres, mas por um
processo de acomodação ou assimilação. Esse estudioso defende ainda que este
processo assimilacionista corroborasse com processo de mestiçagem. Nesta
perspectiva, defende que o processo de mestiçagem ajudou a engrossar o caldo
sincretista brasileiro. Os filhos dos negros com brancos, ficaram em um fogo
cruzado, e se a mãe fosse negra os filhos assimilavam mais os aspectos
religiosos africanos, mas sem deixar de ir a uma paróquia católica. A
folclorização e a magia especialmente da cultura negra penetrou nos brancos e
amistiçados dos índios, formando uma imagem não somente interiorizada, mas
estereotipada nas manifestações públicas sejam civis ou religiosas.
Os brasileiros negros ou brancos, de camadas menos
privilegiadas, vivem esse universo de símbolos, ritos e mitos, como algo integrante
de suas vidas, de seu cotidiano, sem pretensões maiores, sem outras
interrogações. Vivem-no naturalmente. (PEREIRA, RevAntropologia-26, 1983,
p.96).
Em suma, a identidade religiosa nacional logo estereotipou
em um contexto social de mestiçamento fundamentalmente inegável. Este processo
de mestiçagem ou miscigenação influiu diretamente na identidade religiosa.
A história do Brasil é uma história de mestiçagem,
explicada pelos cruzamentos de três raças, duas das quais classificadas por
critérios de inferioridade biológica e cultural (negros e índios). [...] Romero
ressalta a colaboração dos negros e índios na formação do país e destaca o peso
da cultura e do caráter lusitano, bem como seu “pendor” para o cruzamento- “produtor
dos mestiços de todos os graus que formam a grande maioria da população
brasileira”. Para o autor, a população mestiça, majoritária (PEREIRA, 2002,
RevUSP-53, p.130).
Nesta mesma perspectiva, Ortiz (2006), defende que o
Brasil é o produto da mestiçagem. Ele quando fala da “Cultura Brasileira e Identidade
Nacional”[2],
que, aliás, é o tema de sua obra, parte da perspectiva de que o sincretismo se
consolidou por existir uma memória coletiva africana, ou um imaginário
religioso que conservou a sua autonomia, mesmo que o elemento sincrético
provenha de uma fonte exterior a ela.
O
catolicismo adaptou-se à cultura local? Não há dúvidas. Sem a intenção de
reduzir o conceito de cultura popular apenas às adaptações ou rejeições da
religião dominante, não há como não relacionar cultura brasileira e catolicismo
sincrético. Este último assimilou, de forma muito flexível, alguns traços dos
que pretendia doutrinar. Fato é que o catolicismo encontrava-se totalmente
submerso nas características culturais dos brasileiros e não teve, ou não quis
ter muita força para alterar seus principais traços. Afirmar que o catolicismo
estava aliado à cultura é dizer, nas palavras de Bittencourt (2003, p. 41), que
ele aceitou, sem problemas, a “presença e influência da Matriz Religiosa Brasileira”,
sendo que esta, prossegue o autor, “nunca representou um problema a ser
enfrentado; quando muito representou apenas uma dificuldade a ser contornada
sutilmente”.
O que
Bittencourt (2003) chama de “Matriz Religiosa Brasileira” é exatamente
esse núcleo básico de religiosidade formado a partir do sincretismo de
elementos encontrados nas religiões específicas das etnias. Este núcleo é o
resultado do encontro das diversas religiões sob o fenômeno da mestiçagem. Ele
influenciou não só a religiosidade do brasileiro, mas também traços de sua
cultura e personalidade nas várias áreas da sociedade e do cotidiano. Portanto,
para explicar quais elementos compõem a Matriz, Bittencourt recorre à idéia de
sincretismo. O caminho percorrido para a formação da Matriz é o da formação
histórica da nacionalidade:
Com os
colonizadores chegam o catolicismo ibérico (reconhecidamente singular) e a
magia européia. Aqui se encontram com as religiões indígenas, cuja presença irá
impor-se por meio da mestiçagem. Posteriormente a escravidão trouxe consigo as
religiões africanas que, sob determinadas circunstâncias, foram articuladas num
vasto sincretismo. No século XIX, dois novos elementos foram acrescentados: o
espiritismo europeu e alguns poucos fragmentos do Catolicismo romanizado (Bittencourt, 2003, p. 41).
Bittencourt
tem seus pressupostos consubstanciados na perspectiva de Holanda (1978), que ao
analisar a cultura brasileira e sua formação, afirma com propriedade a
influência da religiosidade na formação desta cultura.
As
contribuições de Holanda revelam o olhar do protestante sobre essa
religiosidade. Holanda (2002, p. 149) relatou dois trechos de “visitantes
protestantes que aqui estiveram”, Kidder e Thomas Ewbank, que comentaram sobre
as formas cúlticas da religiosidade, chamada por eles de nativa. Holanda assim
escreveu (2002, p. 151):
Em verdade, muito
pouco se poderia esperar de uma devoção que, como esta, quer ser continuamente
sazonada por condimentos fortes e que, para ferir as almas, há de ferir
primeiramente os olhos e os ouvidos. “Em meio do ruído e da mixórdia, da
jovialidade e da ostentação que caracterizam todas essas celebrações gloriosas,
pomposas e esplendorosas”, nota o pastor Kidder, “quem deseje encontrar, já
não digo estímulo, mas ao menos lugar para um culto mais espiritual, precisará
ser singularmente fervoroso”. Outro visitante, de meados do século passado,
manifesta profundas dúvidas sobre a possibilidade de se implantarem algum dia,
no Brasil, formas mais rigoristas de culto. Consta-se que os próprios
protestantes logo degeneram aqui, exclama. E acrescenta: “É que o clima não
favorece a severidade das seitas nórdicas. O austero metodismo ou o puritanismo
jamais florescerão nos trópicos”.
A citação de
Holanda revela traços marcantes da forma de expressão religiosa brasileira,
que, na data referida, já se encontrava oficialmente sincrética. A partir deste
texto, um forte contraste é notado entre as práticas protestantes e católicas:
o caráter festivo das celebrações cúlticas em oposição ao rigorismo do culto
puritano contra a liberdade de expressão.
Holanda
destacou as características pontuadas sempre em relação ao tipo de catolicismo
aqui praticado. Ou seja, Holanda descreveu uma religião oficial, já moldada
sobre as especificidades nacionais, ou seja, um catolicismo sincrético. O autor
analisou o resultado dos entraves entre as religiosidades específicas das
etnias e a dominação que a religião oficial exerceu sobre tais formas. A
importância dessa análise é a percepção concedida pelo autor de uma religião
oficial que mantém as características culturais do povo e que por esse motivo é
chamada de “nosso velho catolicismo”.
O “velho
catolicismo” é enfocado por Holanda (1978), que examina uma das mais brilhantes
categorias culturais do brasileiro: a “cordialidade”. O homem cordial
manifestava-se também pela religiosidade. Trata-se, portanto, de um aspecto
cultural de grande relevância que permeou toda a relação do brasileiro com o
sagrado e com a divindade. A cordialidade produziu os aspectos intimistas e
anti-ritualísticos que estão entrelaçados com a expressão religiosa.
O português
colonizador, mesmo com os aspectos da cordialidade, olhava com desconfiança o
“campo”, expressão bourdieuriana (1983), e nesta perspectiva não tardou de consolidar
seu poder hegemônico. Segundo Bourdieu (1983), as lutas dentro do campo
religioso são desiguais, pois os que detêm o poder e a autoridade- o capital
consolidado, é que molda o campo e lhe dá sentido. Por isso o português embora
em bases frágeis construiu o ideário religioso. Nesta perspectiva, Souza (1986)
é da opinião de que o mesmo moldou aqui uma religiosidade multifacetada, pelo poder
dominante e como ideário religioso implementa seu interesse. Pondera mais:
A América era muito mais filha da Europa do que jamais
o foram a Ásia e a África; mas era Europa, e ao mesmo tempo a não Europa; era
antítese geográfica, física e muito logo política da Europa- na
metrópole-podiam aqui- colônia- mais do que e nenhum lugar tender à polarização
[...} mas do que disse respeito à humanidade diversa, pintada de negro pelo
escravo africano e de amarelo pelo indígena, venceu a diferença:
infernalizou-se o mundo dos homens em proporções jamais sonhadas por toda a
teratologia européia – lugar imaginário das visões ocidentais de uma humanidade
inviável. (SOUZA, 1986, p.31,32).
Alguns
espíritos mais atentos do clero, não tardaram, contudo, em adaptar a religião
aos anseios populares, que neste processo de acomodação preparou-se para fundir
as culturas religiosas em uma síntese harmoniosa. Daí tem um catolicismo
sincrético, mas sempre subserviente aos bispos e ao poder civil que neste caso
era subserviente da Igreja. A religião acomodaria à cultura e etnia desde que
não ferisse os interesses da Corte.
Com elementos indígenas e africanos, a religiosidade do
brasileiro tornou-se popular e cada vez mais se distanciava dos cânones
tridentinos.
A religião popular absorve celebrações piedosas de liturgia
africana, ou indígena; adota o tempo sagrado do ciclo de estações do hemisfério
sul; separa seu espaço sagrado; escolhe símbolos, valores, crenças e sanções ou
observa-os. [...] O puritanismo litúrgico, tanto de regalistas como de
tridentinos tenta expurgá-las. Acaba se acomodando ou assimilando-as. [...] Por
volta de 1840, em uma vila paulista, Kidder registra: “Disseram-nos que
também nesse lugar, muitos dentre os moços demonstravam pouquíssimo respeito
pela religião, devido à influência de obras profanas e outras causas diversas.
A desculpa de quase todas as faltas era sempre a mesma: eu não sou católico. O
povo em geral aceita os dogmas da igreja, mas raramente cumpre seus
mandamentos, salvo quando a isso obrigados, principalmente pelos pais, ou em
artigo de morte. [...] Muita gente tinha externado de pautar sua vida como bem entendesse,
fosse qual fosse a decisão da autoridade eclesiástica” (RIBEIRO, 1973,
p.61,62,70).
As festas religiosas celebradas nas paróquias ou nas
ruas eram mais uma festa popular do que uma cerimônia religiosa, ou missa. A
religiosidade popular perpassou todo regime colonial e têm-se resquícios até os
dias de hoje.
Embora com essa pluralidade e sincretismo, a Igreja
Católica assumiu uma atitude firme no sentido de fazer valer sua fé, suas
regras e seu domínio. Era uma Igreja que se via dentro de uma "guerra
santa" contra todos aqueles que não acreditavam nela. E numa guerra, na
maioria das vezes, as armas são as violências e as repressões. Essa Igreja
guerreira via como possíveis inimigos todos aqueles que não eram católicos, e
os combatiam duramente.
Freire (1980) aponta as características da colonização
do Brasil pelo viés da religião por meio dos jesuítas. Sua opinião é a de que
eles idealizaram e implementaram no País um modelo de teocracia.
A nossa verdadeira formação social se processa de 1532 em
diante, [...] O oligarquismo ou nepotismo, que aqui madrugou, chocando-se ainda
em meados do século XVI com o clericalismo dos padres da Companhia. Em oposição
aos interesses da sociedade colonial, queriam os padres fundar no Brasil uma
santa república de "índios domesticados para Jesus" como os do
Paraguai; seráficos caboclos que só obedecessem aos ministros do Senhor e só
trabalhassem nas suas hortas e roçados. (FREIRE, 1980, p.60).
O clericalismo dos padres da Companhia foi colidindo
com as oligarquias regionais, consolidando uma colonização que na perspectiva
de Freire foi "semi-eclesiástica" e "semifeudal", o
monopólio católico romano atrelado à instituição político-religiosa do
padroado. Essa interpretação de Freire faz coro com os pronunciamentos e reflexões
do intelectual da época do início da República, Romero (1851-1914), que, em
seus artigos publicados no Jornal "Diário de Notícias",
é da opinião que: "... nossa nação foi formada sob o regime teocrático,
ajudado pelos jesuítas." Uma outra opinião semelhante a de Freire e de
Romero é a do sacerdote romanista Maria
(1950, p. 33,34), que diz:
[...] as missões jesuíticas eram complicadas pelo plano que
os discípulos de Loiola[1] tinham
que dominar o mundo não só com as armas espirituais, mas também com os
instrumentos mundanos. [...] queriam criar Estados ou nações jesuíticas. [...]
Nóbrega e Anchieta, e os fundadores das missões ou reduções do Brasil,
cooperaram com os capitães nas guerras contra os indígenas.
O jesuitismo atrelado ao regime de padroado, segundo
Gomes (2000, p. 37), assumia a legitimação tanto dos atos como dos interesses
da Coroa no Brasil. Nesta perspectiva diz:
O padroado sacramentava a união entre a Igreja e o Estado
lusitano como irmãos siameses; à medida que o rei se tornava, ao mesmo tempo,
figura da política e religiosa, a Coroa lusa incorporava os símbolos tanto da
Igreja como do Estado. A conseqüência mais direta dessa união foi o princípio
da íntima colaboração entre o poder político e eclesiástico.
Daí se vê que o poder religioso foi o mais importante
instrumento de legitimação do Estado. Esta é a tese defendida por Peter Berger
(1985), estudioso da religião. Para ele, as instituições políticas e
governamentais teriam garantida sua legitimidade pelo fato de a religião
transformar o governo civil em um fenômeno sacramental[2].
Nessa perspectiva afirma:
[...] a estrutura política simplesmente estende à esfera
humana o poder do cosmo divino. [...] A autoridade política é concebida como
agente dos deuses, ou idealmente até como uma encarnação divina. [...] as
instituições políticas e sociais teriam garantida sua legitimidade pelo fato da
religião infundir-lhes um status ontológico de validade suprema. O governante
fala em nome dos deuses, ou é um deus e obedecer-lhe equivale a estar em
relação correta com o mundo dos deuses. (BERGER, 1985, p.42).
O que é fundamentalmente importante no pensamento de
Berger, é que a religião servirá para sustentar a legitimação do Estado e
conseqüentemente da sociedade. O estilo de vida e concomitantemente de poder,
têm a mediação da religião. A vida sacralizada e o poder sacralizado dotam o
Estado e, por conseguinte a sociedade de uma legitimidade, pois esta
sacralidade está apoiada em convicções profundas de religiosidade. Os mitos, os
dogmas, as doutrinas, todos consubstanciados num espírito de coesão social
fornece bases para os valores morais e coercitivos, constituindo de forma muito
exaustiva no modelo de sociedade pela religiosidade.
Berger (1985) afirma que as instituições políticas e
governamentais teriam garantida sua legitimidade pelo fato da religião
infundir-lhes um status ontológico de validade suprema, "o poder humano e
o governo se tornam fenômenos sacramentais". Era nesta perspectiva que
trabalhava o ideário católico tridentino, pois a união Igreja-Estado estava no
projeto de poder colonizador.
Antônio Rubbo Müller (1958) quando formulou sua teoria
de sociedade, afirmou que a organização humana baseia-se na existência de
catorze sistemas sociais específicos dentre eles, o "sistema
religioso", o qual afeta profundamente todos os demais. No caso do Brasil
desde o descobrimento até a proclamação da República predominou o "sistema
social religioso". O pensamento de Müller está em consonância com a
proposição do cientista político Gramsci, quando defende que a Igreja como
instituição serviu e ainda serve como "aparelho ideológico de
Estado". Dentro desta perspectiva, predominou no Brasil desde seu
descobrimento colonizador até o final do século XIX, um comando unificado de
uma ideologia dominante, em que a Igreja reproduzia a infra e superestrutura
política, econômica e ideológica, e o Estado era apenas e tão-somente uma
máquina de sujeição e reprodução do "sistema social religioso".
Para Laveleye (1875), a religião exerce sobre os homens
uma ação tão profunda que eles sempre se inclinaram a dar à organização do
Estado formas tomadas da organização religiosa. Nesta perspectiva, diz:
A ação que a religião exerce sobre os homens é tão profunda
que eles sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da
organização religiosa. Por toda a parte onde o soberano passa por ser o
representante da divindade, a liberdade não se pode estabelecer, porque o poder
daquele que fala e obra em nome de Deus é necessariamente absoluto. As ordens
do céu não se discutem. Simples mortais não podem deixar de inclinar-se e de
obedecer. Não conheço exceção a esta regra. Nos antigos impérios da Ásia, e nos
de hoje, nos Estados maometanos, como nos países católicos, onde os reis
reinavam por direito divino, os povos foram completamente escravizados.
(LAVELEYE, 1875, p.25).
Mauus (1924), no seu "Ensaio sobre a Dádiva",
reflete de modo evidente e significativo os aspectos religiosos a partir de religiões
e tribos primitivas, na concepção de poder. Para ele, o poder de comando estava
intrínseco à concepção transcendente, ou seja, algo mítico legitimava o chefe
da tribo. Nesta mesma perspectiva, Levi-Strauss (1949), faz um estudo
aprofundado da religião, e faz dela o viés para discorrer sobre os fundamentos
da sociedade, especialmente em sua obra: "Estruturas Elementares do Parentesco".
Tanto Mauus, Strauss e Laveleye, acenam para um estudo mais aprofundado da
religião e seu relacionamento com o poder de Estado (poder civil) na sua mais
profunda substância de poder.
Para Durkheim (1912), a religião ordena o caos como
também desordena. Neste último caso, cabe a organização religiosa coibir a
desordem com seus meios coercitivos ou como aparelho de força do Estado. Em sua
obra: "As Formas Elementares de Vida Religiosa", considerada a
mais importante de suas obras, estuda notadamente a religião e seu
relacionamento social concomitantemente de poder religioso atrelado ao poder
civil, em que traz a baila a incorporação da religião, seu simbolismo, sua estrutura
de poder.
Weber (1864-1920) entende que a relação do poder
religioso com o poder civil, denota uma colaboração intrínseca cujo objetivo é
a domesticação das massas. O poder religioso (Igreja) e o poder civil (Estado)
se refletem. O temporal põe à disposição do espiritual os meios de coação para
conservar o seu poderio. Nessa relação Igreja-Estado, ambos são subservientes.
Para Todorov (1991), a espada e a missão
entrelaçaram-se no grande empreendimento colonizador dos dois países ibéricos
(Espanha e Portugal). Aliás, o sucesso da missão católica dependeu da
capacidade e do poder do Estado, ou seja, a missão dependeu da espada. Por
outro lado, o grande sucesso da colonização dependeu da missão religiosa. Na
opinião da maioria dos historiadores, as motivações especialmente de Colombo e
Cabral eram mais religiosas do que econômicas, haja vista que o lema empregado
era "expansão do reino de Deus". Ademais, Colombo em
seu diário minuciosamente pesquisado por Todorov (1991) em seu livro: “A
Conquista da América: A Questão do Outro”, chega à conclusão que o mais
importante era a propagação e expansão da fé católica. Registra as palavras de
Colombo num Documento datado em 1502:
Esta empresa foi feita no intuito de empregar o que dela se
obtivesse na devolução da Terra Santa à Santa Igreja. Depois de ali ter estado
e visto a terra, escrevi ao Rei e à Rainha, meus senhores, dizendo-lhes que
dentro de sete anos disporia de cinqüenta mil homens a pé e cinco mil
cavaleiros, para a conquista da Terra Santa e, durante os cinco anos seguintes,
mais cinqüenta mil pedestres e outros cinco mil cavaleiros, o que totalizaria
dez mil cavaleiros e cem mil pedestres para a dita conquista (TODOROV, 1991,
p.11).
[1]Inácio de Loiola, fundador da Companhia de Jesus,
denominada e conhecida como "os
Jesuítas".
[2]Fenômeno sacramental foi a expressão usada por
Berger para explicar a subordinação do poder civil ao poder espiritual ou
religioso.
[1]
Tridentina: refere-se aos cânones do concílio de Trento, ou seja, ao catecismo
da Igreja
[2] ORTIZ,
Renato. Cultura Brasileira e Identidade Nacional. São Paulo: Editora
Brasiliense, 8ª edição, 2006. Nesta obra, o autor dedica um capítulo à
mestiçagem quando defende que o Brasil é produto da mistura não somente de
raças, mas de religiões.
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