terça-feira, 20 de abril de 2010

RELIGIÃO E CULTURA

Gravura retratando a primeira missa em São Paulo de Piratininga.it
“A questão da conexão entre religião e cultura não se restringiu à época das missões clássicas cuja história faz parte da mesma história da expansão do mundo ocidental europeu, mas se repete neste fim de século...”.
Antônio Gouveia Mendonça


A vida social pode ser vista especialmente quando se percebe melhor a questão crucial que a envolve a da relação complexa e delicada entre o indivíduo, a cultura, a religião e a sociedade. Essa questão preocupou os estudiosos do passado e do presente e tantos incontáveis pensadores de todos os tempos. Entretanto, não é nosso intuito debater aqui neste trabalho acerca das relações do sujeito, mas enfatizar a importância religião na cultura e na sociedade, bem como discorrer sobre o processo sincrético por que passou a sociedade brasileira formando assim sua cultura.
É impossível ignorar o papel da religiosidade do povo brasileiro na cultura e da cultura na religiosidade. Ademais, a religião é como um espelho que mostra as vertentes da formação cultural de qualquer povo. E para explicar este fenômeno, tem-se o elemento determinante que é o sincretismo religioso. Por outro lado, nas últimas décadas, com o crescimento dos que se declaram não católicos, com a verificação da dupla pertença religiosa de muitos fiéis e com a constatação, por parte de alguns estudiosos, do chamado “trânsito religioso”, o sincretismo e cultura voltou a ser um tema discutido, no âmbito acadêmico e também no círculo dos que vivem a sua religiosidade na participação ativa seja em qualquer religião ou seguimento.
O presente trabalho parte do pressuposto de que a religião e a cultura sempre andaram juntas, destacando que os grupos, sociedades tribais e os portugueses contribuíram para a formação da cultura, com destaque para o grupo de africanos oriundos da tradição nagô-iorubá e os índios de diversas tribos. Assim este trabalho destaca-se com uma análise da religiosidade e da cultura vivida no Brasil desde o tempo de sua colonização.
Ademais, vive-se, atualmente, discutindo nos meios intelectuais temas religiosos em interface com outras ciências humanas e sociais, e até mesmo em disciplinas biológicas. Haja vista a problemática mundial e atual da subjetividade e da inter subjetividade do ser humano, bem como a interferência e a influência da religião em todas as esferas da sociedade.
Embora o referencial teórico seja histórico dissertativo, propõe-se, entretanto um estudo relevante da identidade nacional tendo como traço marcante desta, a religião ou o ideário religioso construído a partir do sincretismo religioso e suas implicações na cultura brasileira, ou na formação do brasileiro.
A religião como fenômeno humano na história, faz parte da vida social, e, nesta perspectiva influencia os vários setores da sociedade, da cultura e do cotidiano das pessoas. Aliás, a sociedade deve ser entendida como “lócus” de expressão da cultura e da religiosidade.
A religião possui um significado social singular, sua força movimenta os mais diversos problemas sociais e pessoais do planeta. Sem questionar a subjetividade da cada crença, este trabalho apresenta um estudo no qual mostra o Brasil como um País com uma das maiores concentrações de sincretismo religioso do mundo, e que a formação cultural passou por esta via. Nesta perspectiva, é um dado que pode surpreender, já que a história sempre priorizou a formação cultural católica do nosso povo por ser esta o meio de colonização desta terra.
O ambiente cultural se acostumou à idéia de que não tem muita coisa relevante na religião para acrescentar à realidade. Essa visão passou a ser a ótica especialmente da maioria dos intelectuais de diversos campos do saber acadêmico, sem contar com um grande número dos que estudam a cultura sem fazer uma interface com os aspectos históricos religiosos.
Geralmente a temática religiosa é abordada com unilateralidades e pré-conceitos que impedem um verdadeiro encontro entre culturas e saberes antropológicos adquiridos por diversos grupos humanos. O mundo das religiões é vasto, complexo e fascinante. É campo sem fronteiras, porque se alastra pela geografia do planeta com matizes multicor no grande tecido que é a experiência humana com a cultura e a transcendência.
Atualmente o estudioso, sociólogo José Bittencourt Filho, desenvolveu bem o tema: “Matriz Religiosa Brasileira”, em sua Tese de Doutorado (publicada em 2004), que ver a religião como formadora da cultura brasileira, especialmente concernente ao aspecto sincrético, embora defenda o processo aculturativo forçado da matriz portuguesa.
O mundo das religiões é vasto, complexo e fascinante. É campo sem fronteiras, porque se alastra pela geografia do planeta com matizes multicor no grande tecido que é a experiência humana com a transcendência. Refletir a relação entre religião e cultura talvez não nos ofereça tantas repostas quanto possamos esperar, contudo, abre-nos paradigmas diferentes, contextos desconhecidos e nos incita ao diálogo, ao respeito à diversidade e à busca da unidade fundamental entre os seres humanos.
Neste trabalho, estabelece-se uma interface entre cultura e religião, pois cultura e religião são elementos densos e tensos que perdem sua novidade absoluta na redução lógica que compara ou equipara seus elementos. A epistemologia positivista simplificou e estabeleceu critério único para compreender o fenômeno e assim esvaziando-se o desenvolvimento da temática, o que reduziu nos últimos anos apenas à antropologia, ou quando muito à sociologia. Portanto, a tarefa atual é buscar os engates entre essas duas realidades: a Cultura e o fenômeno religioso.
Hoje, é possível encontrar, sobretudo no espectro dos fenômenos, frequentemente alguns “especialistas” em questões religiosas que interpretam os importantes eventos religiosos pelo mundo afora, em interface com a cultura, ou como formação de cultura. Tal fenômeno religioso sincrético tem sua parcela especialmente no Brasil. É via de regra o formador da cultura brasileira.
O debate nesta temática “religião e cultura”, partiu em tempos atrás nas Universidades Alemãs do final do século XIX, Francesas do início do século XX, e, por fim, no Brasil dos anos 50, especificamente após a criação da USP, quando o professor Roger Bastide interessou pela religião em interface com a cultura e outras ciências humanas e sociais ganhando destaque mundial. Por outro lado, a muito pode-se testemunhar nas sociedades modernas certo interesse com estes pressupostos de pesquisa, ou pelo menos de alguns assuntos religiosos. Trata-se de um momento muito importante no Brasil, com o crescimento do sentimento aculturativo religioso, a despeito das multifacetadas manifestações religiosas. Tal momento despertou um espanto genuíno ou até uma verdadeira surpresa para os partidários da secularização, em que teóricos das diversas áreas das ciências humanas que estão debruçando na religião em busca de compreender sua relação com a cultura e a sociedade.

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