terça-feira, 14 de janeiro de 2014

RELIGIÃO: UMA COMPREENSÃO SOCIOLOGICA

* Mauro Ferreira de Souza é Bacharel em Teologia e Filosofia com Especialização e Mestrado nestas áreas e História. Todos pelas Universidades Mackenzie e Metodista http://lattes.cnpq.br/6652104071439857 Uma compreensão sociológica A centralidade da religião na sociologia clássica é evidente. O fenômeno religioso tem uma importância na compreensão da lógica interna da sociedade. Os clássicos da Sociologia dialogaram com a religião na tentativa mais ampla de individuar as características da nova sociedade, industrial, burguesa, capitalista, moderna que estava se delineando no começo do século XIX. Durkheim e Weber referendaram suas idéias nas mudanças sociais vigentes nas sociedades européias, principalmente na crise e na decadência da autoridade das estruturas religiosas. Esta propositura deu condições, sob ângulos precisamente originais, para que Durkheim e Weber redescobrissem a relação entre a experiência religiosa (as idéias e as práticas) e a sociedade moderna, ressaltando e tornando inteligível o complexo papel da religião no desenvolvimento da consciência humana (MACHADO, 1996, p. 13-14). Dentro da Sociologia, tem-se uma vertente destinada aos estudos dos fenômenos religiosos, é a chamada de “Sociologia da Religião”. Seu objetivo é o de compreender os efeitos sociais do “pertencimento religioso”, ou seja, demonstrar como as crenças religiosas interferem no comportamento e nas tomadas de decisões dos indivíduos. Nossa proposta aqui é estudar a religiosidade de grupos sociais para entender como se deu esta formação, este sentimento religioso do brasileiro e como ele lida com isso para enfrentar seus problemas e dificuldades no cotidiano, tendo por tese que o povo brasileiro é considerado um dos mais religiosos do mundo. Deve-se aqui mencionar entre muitas obras que tratam da religião com mais profundidade as obras: “O Ramo Dourado” de Frazer , de “Cultura Primitiva” de Tylor , no qual produz a teoria animista da religião primitiva, e de discípulos deste, Andrew Lang e Marret que investiram a noção de mana, alma e fantasmas. Estes estudos apontam o interesse científico acerca do fenômeno religioso, redemarcando um espaço acadêmico para o estudo científico da religião, até então de cunho teológico e doutrinário. Émile Durkheim , considerado um dos pais da Sociologia, escreveu no século XIX: “Diz-se que a ciência, em princípio, nega a religião. Mas a religião existe. Constitui-se num sistema de fatos dados. Em uma palavra: como poderia a ciência negar tal realidade?” [...] “Sente-se dominado e envolvido por algo que dele dispõe e sobre ele impõe normas de comportamentos que não podem ser transgredidas, mesmo que não apresentem utilidade alguma”. (DURKHEIM, apud OLIVEIRA, Luis F. e COSTA, Ricardo, 2007, p.169, 199). Como força motriz da formação da cultura, a religião para Durkheim vai promover a dicotomia entre o profano e o sagrado. As coisas profanas adquirem, segundo Durkheim, uma utilidade prática até poderem ser descartadas; já as coisas sagradas, os objetos, idéias assumem valor superior aos dos indivíduos, possui um valor de adoração que é superior ao próprio homem e é por este reverenciado. O homem ocupa desta forma um lugar secundário no universo. Pra ele, a religião possui características que a permite criar regras de comportamento e normas que visem gerar a harmonia entre os homens; desta forma é através da religião que as sociedades se estruturam e se organizam formando “uma imagem de si mesmas”. Este interesse pronunciado pelo estudo das religiões se manterá no início do século XX com a publicação de “As formas elementares da vida religiosa” de Durkheim, entre outros, de autores como Levy-Bruhl com estudos sobre a mentalidade mística, agindo como estímulo à criação de formações acadêmicas nas universidades européias, como a de Religião Comparada na École des Hautes Études da Universidade Sorbonne. Esta veio a ser dirigida por Marcel Mauss e mais tarde por Lévi-Strauss. Na Grã-Bretanha destaca-se o King’s College, ligado à Universidade de Londres, que possui um dos departamentos mais antigos e renomados de Teologia e Estudos de Religião, cujo acesso recente a sua página eletrônica, permitiu retirar a seguinte explicação da motivação dos seus estudos na atualidade: Para Max Weber, a religião é na compreensão dos comportamentos religiosos que chega-se ao entendimento sobre as atividades humanas, influenciando a maneira de viver de um povo ou de uma cultura de massa. A religião estaria assim ligada a outras atividades humanas, como por exemplo, a ética, a economia, a política. Com sua célebre obra “A ética protestante e o espírito do capitalismo”, Weber procurou demonstrar que ocorreu uma transformação do trabalho a partir da ética protestante. Segundo Weber, “essa concepção de trabalho, protestante e puritana, servirá perfeitamente para o aparecimento do capitalismo, que necessitava de trabalhadores para gerar capital e lucros para a burguesia.” Para Durkheim (1912), a religião ordena o caos como também desordena. Neste último caso, cabe a organização religiosa coibir a desordem com seus meios coercitivos ou o aparelho de força da cultura de um povo. "As Formas Elementares de Vida Religiosa", considerada a mais importante de Durkheim, estuda notadamente a religião e seu relacionamento social: A ação que a religião exerce sobre os homens é tão profunda que eles sempre se inclinaram a dar à organização do Estado formas tomadas da organização religiosa. Por toda a parte onde o soberano passa por ser o representante da divindade, a liberdade não se pode estabelecer, porque o poder daquele que fala e obra em nome de Deus é necessariamente absoluto. As ordens do céu não se discutem. Simples mortais não podem deixar de inclinar-se e de obedecer. Não conheço exceção a esta regra. Nos antigos impérios da Ásia, e nos de hoje, nos Estados maometanos, como nos países católicos, onde os reis reinavam por direito divino, os povos foram completamente escravizados. (LAVELEYE: 1875, p.25). Não se pode desvencilhar a participação da religião na construção cultural dos povos. Conforme Durkheim (1998, p. 155), A religião é uma coisa eminentemente social. As representações religiosas são representações coletivas que exprimem realidades coletivas; os ritos são as maneiras de agir que não nasceram senão no seio de grupos reunidos e que estão destinados a suscitar, a manter ou a refazer certos estados mentais desses grupos. Mas então, se as categorias têm origem religiosa, elas devem participar da natureza comum de todos os fatos religiosos: devem ser, elas próprias, coisas sociais, produtos do pensamento coletivo. Mendonça (1988, p. 42) mostra que existe uma dificuldade em definir religiosidade e religião. Segundo ele, a religiosidade nem sempre está relacionada a uma religião organizada e instituída. Ele definiu religiosidade como “a sensação generalizada de que o mundo está sujeito a poderes ameaçadores da ordem [...] sejam de amplitude universal ou simplesmente localizados no espaço e no tempo, estes quando se referem a grupos humanos isolados sócio e geograficamente”. No mesmo texto, Mendonça apresenta uma segunda definição de religiosidade, que seria “a existência na consciência daqueles traços culturais de crença em poderes benéficos e maléficos que, de alguma forma, regem a vida nos mínimos detalhes e que podem estar subjacentes na aceitação de qualquer religião organizada, introduzindo nelas modificações”. Na segunda definição, Mendonça relaciona a religiosidade com a crença culturalmente construída e que pode, inclusive, interferir nas religiões organizadas. Tal definição de religiosidade é a que empregamos aqui e que foi muito bem explorada por Bittencourt (2003). A religião, sob a abordagem da sociologia clássica, aparece como um pretexto teórico, metodológico e epistemológico no estudo das causas sociais da grande mudança social, da transição da sociedade tradicional para a industrial, dos possíveis remédios para os problemas sociais e para as implicações no tecido social. Temáticas e questões como a divisão social do trabalho e desemprego, expansão e intensificação das desigualdades sociais, conflitos e lutas de classes, anomia, desvios, entre outras, aparecem como preocupações visíveis discutidas pelas teorias sociológicas durante o século XIX, em vista de uma resposta intelectual de intervenção sócio-política. Foi na perspectiva de considerar as situações sociais, coletivas, dotadas de uma dimensão ética, que os clássicos da sociologia propuseram o problema da religião, pelo fato de a terem considerado como um fator decisivo para se explicar as estruturas e os processos que promoviam e condicionavam a ordem e o controle social nas sociedades humanas (MARTELLI, 1995, p. 31). A religiosidade serve para designar: [...] a forma e o sentimento com que cada indivíduo vive suas crenças e práticas religiosas, independente de ele estar filiado a uma instituição religiosa, mas também pode abonar auto-enquadramento que o indivíduo afirma, quando em grande parte não está ele efetivamente assentado em qualquer prática religiosa, outras vezes, ainda que inseguro, num exercício agnóstico ou, ateísta definitivamente, o que é corroborado pelo fato de já existir segmentos sociais que se aglomeram em torno de uma terapia grupal”. (Revista Veja de 12.07.2006, pp.77-85). As palavras provocadoras de Filoramo em posfácio a seu livro em parceria com Carlo Prandi, “As Ciências das Religiões”, quanto às repercussões dessecampo emergente ou ressurgente de saber no âmbito universitário (1999, p.290): O estudo da religião em perspectiva científica, [...] tem essa característica fundamental: ele é um convite ao estudo, não para que alguém se torne isso (ou menos) religioso – o fato de existirem conseqüências desse estudo é m efeito imprevisto, não fazendo parte das regras do jogo; estuda-se, segundo o ethos do conhecimento que anima e funda esse tipo de trabalho, para poder conhecer melhor essa complexa e cálida realidade, para poder melhor orientar-se dentro dela, e conforme o caso, para poder escolher e decidir com conhecimento de causa. BIBLIOGRAFIA: DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 2000. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano. A essência das religiões. São Paulo, Martins Fontes, 1992. ____________. Imagens e símbolos: ensaio sobre o simbolismo mágico-religioso. SãoPaulo: Martins Fontes, 1996. _____________. Mito e Realidade. Trad. Póla Civelli. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2002. _____________. Tratado de história das religiões. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Zahar, 1994. ELIAS, Norbert. Lu dynamique de l'Occident. Paris, Calmann-Lévy, 1975. ESPÍRITO SANTO, M. do. A religião popular portuguesa. Lisboa: A Regra do Jogo, 1984. FALCON, Francisco. Historia das idéias. In: CARDOSO, Ciro Flamarion; VAINFAS, Ronaldo (Orgs.). Domínios da história. Rio de Janeiro: Campus, 1997 FERRETTI, Sérgio Figueiredo. Repensando o sincretismo: estudo sobre a casa de minas. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo; São Luís: FAPEMA, 1995.

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